Transferência da tribo Kaingang tem intermediação da UCPel

As negociações que envolveram a transferência da tribo Kaingang da área urbana para a zona rural contaram com a intermediação da Universidade Católica de Pelotas (UCPel). A pós-doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Política Social (PPGPS), Isabela Figueroa, foi a responsável pelas tratativas realizadas com a Prefeitura de Pelotas que resultaram na conquista do novo terreno.
Advogada por formação, a pós-doutoranda da UCPel trabalha com a temática indígena na América Latina há muitos anos. Professora do Programa de Direito da Universidade de Magdalena (Colômbia), escolheu a Católica e o PPGPS devido à existência de uma linha de pesquisa com a temática Controle Social. “Minha pesquisa trabalha com as tribos guaranis afetadas pela duplicação da BR-116, entre o trecho Pelotas-Guaíba”, conta, complementando que quando chegou na cidade ainda não havia índios e a temática indígena também era nova no Programa.
Ao saber da chegada de índios Kaingangs no município, participou de uma audiência pública na Câmara de Vereadores para se aproximar dos integrantes e oferecer ajuda. “Em abril iniciamos as tratativas com a vice-prefeita Paula Mascarenhas e com o secretário de Cultura, Giorgio Ronna, que entenderam a problemática e buscaram uma alternativa”, avalia. Em um primeiro momento foi cogitado o Camping Municipal, mas logo em seguida a prefeitura ofertou um terreno de 7,5 hectares na zona rural do município de Morro Redondo, local que já está sendo habitado por 16 famílias.
O Núcleo de Advocacia Popular (NAP) da UCPel também vem acompanhado as tratativas da permanência do grupo e ficará responsável pelo trabalho após o retorno da pós-doutoranda para a Colômbia, em julho. “O NAP irá atuar na parte legal e assessoria para o desenvolvimento de planos de curto, médio e longo prazos”, explicou. A intenção das ações é preparar os líderes para dirigirem os apoios que serão recebidos. “Queremos que eles próprios consigam organizar a ajuda recebida para não ocorrer o contrário”, complementa.     
Apesar da terra ser pequena para o número de famílias, a intenção dos Kaingangs é trabalhar com a agricultura familiar, criar abelhas e vender o artesanato confeccionado pelo grupo. “No terreno existe um prédio abandonado e a intenção do grupo no futuro é transformá-lo em um centro de recebimento turístico”, comenta.    
Dedicação à causa
Foi quando atuou em uma ONG no Equador que Isabela se deparou com as problemáticas vividas pelos povos indígenas no sul do continente. “A princípio essa não era a minha área de atuação, mas devido à viagem de um colega tive que atender um cacique que buscava ajuda sobre a descoberta de petróleo em sua terra”, conta. A nova perspectiva de mundo apresentada foi suficiente para atrair a sua atenção e estudo. “Fui deixando outras áreas para me dedicar exclusivamente para o tema”, disse. 
A advogada é formada pela Universidade Federal de Pelotas, possui mestrado em Direito Econômico pela Universidad Andina Simón Bolívar, mestrado em Direito e Política dos Povos Indígenas pela University of Arizona, mestrado em Direito Indígena pela University of Calgary, e doutorado em Estudos Culturais Latinoamericanos pela Universidad Andina Simón Bolívar. Atualmente realiza seu pós-doutorado na UCPel.
Sobre as dificuldades indígenas enfrentadas na América do Sul, Isabela avalia que as tribos brasileiras sofrem mais dificuldades em comparação com os povos da Bolívia e Equador, por exemplo. “Nestes países os povos são mais organizados politicamente devido à sua experiência no campesinato”, pontuou. Ela ainda lembra que os povos dos países andinos têm organizações mais antigas e a forma de colonização contribuiu para a sua permanência com o contato da terra. 
Já no Brasil, os índios foram expulsos de suas terras e substituídos pelos negros. “Nos países andinos as terras indígenas pertencem aos seus grupos. Aqui elas são de uso indígena, mas permanecem sendo do Estado, o que gera a necessidade de um representante estatal junto a eles nas reivindicações ”. Outro ponto destacado por ela é que por não existir um órgão dedicado exclusivamente à temática indígena em outros países, esses povos foram obrigados a se articularem para defender interesses comuns, ao contrário do Brasil, que criou a Funai para dar suporte aos índios. 
Pesquisa na UCPel
 
O trabalho, intitulado “Interculturalidade e controle social no RS: Estudo de caso no âmbito da ampliação da BR-116”, deverá ser finalizado no mês de julho. Isabela teve interesse em desenvolver a temática para investigar como ocorreu a aplicação do Programa de Apoio às Comunidades Indígenas na duplicação da BR-116/RS. “Nunca houve no Brasil e em nenhum outro país a realização da consulta prévia, que deve ser aplicada cada vez que governos autorizam projetos que afetam os direitos indígenas”, explicou. 
De acordo com a pós-doutoranda, a abertura do PPGPS em aceitar uma pesquisa que trabalha com questões indígenas, mesmo quando ainda não havia índios em Pelotas, foi muito positiva. “O pós-doutorado da UCPel abriu espaço para o trabalho realizado diretamente com a comunidade e não é qualquer programa que faz isso”, elogiou. Para ela, o conhecimento especializado existe para ser entregue à comunidade e a UCPel cumpre o papel na transferência desse conhecimento. 

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