Três a cada 10 gestantes estão em insegurança alimentar em Pelotas, segundo pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Saúde e Comportamento da Universidade Católica de Pelotas (PPGSC/UCPel). O estudo, pioneiro no Brasil ao analisar a prevalência de insegurança alimentar em domicílios com mulheres grávidas, também teve como objetivo associar fatores demográficos e socioeconômicos à insegurança alimentar da população.
Ao todo, foram analisadas 729 gestantes, coletadas entre 2016 e 2018 – uma amostra parcial do banco de dados utilizado pelo projeto ‘Gravidez cuidada, bebê saudável’. Dessas, 31% apresentaram insegurança alimentar, ou seja, preocupação acerca da quantidade e qualidade dos alimentos para satisfazer as necessidades biológicas e emocionais. “Muita gente confunde e acha que a avaliação se dá através do consumo, mas é a questão psicológica”, explica a responsável pela pesquisa, nutricionista Caroline Ávila.
Para realizar o estudo, foi utilizado a escala brasileira de insegurança alimentar que, de acordo com a pesquisadora, é separada em três níveis. Na amostra, 23,3% apresentaram insegurança leve, isto é, diminuição da qualidade dos alimentos como estratégia para não faltar comida; 3,8% moderada, quando além da diminuição da qualidade, adultos da família reduzem a quantidade para não faltar comida; e outros 3,8% foram considerados casos graves, por faltar comida para adultos e crianças.
Quanto aos fatores associados, a população pesquisada foi divida em grupos etários: menores de 19 anos, 20 a 29 e 30 anos ou mais. A maior prevalência se deu entre as mais jovens, com idade inferior a 19 anos. “Nós ainda não podemos afirmar o porquê, mas acreditamos que é pela insegurança gerada nas adolescentes com a gestação”, sugere. Além disso, famílias chefiadas por mulheres também apresentaram maiores índices de insegurança alimentar.
Outra questão considerada é a escolaridade do chefe da família. De acordo com Caroline, quanto menor a escolaridade, maior a insegurança alimentar. O mesmo ocorre com a renda das famílias. “A insegurança alimentar está incutida em um ciclo de pobreza, mas por ser bidirecional, não podemos concluir o que vem primeiro, porém sabemos que a renda familiar é um dos fatores principais”, coloca.
O recebimento do auxílio Bolsa Família também foi avaliado. Famílias com maiores índices de insegurança foram as que usufruíam do benefício, contudo o índice grave foi menor nesse grupo. Desse modo, conforme a pesquisadora continua a explicar, o Programa tem aspecto positivo na redução da insegurança alimentar grave. Gestantes com empregos informais e aquelas que não viviam com companheiro também apresentaram maiores índices de prevalência.
Da mesma forma, ao avaliar o número de indivíduos residentes no mesmo domicílio, quanto maior o número de moradores, maior a insegurança alimentar. E, casas com menores de 18 anos também ilustraram índices mais altos. “Isso parte da questão de ter mais gente no domicílio e os menores de 18 anos são considerados crianças, então torna a situação mais grave”, alerta.
Consequências durante a gravidez
Conforme justifica a pesquisadora, a importância da realização do estudo considera o elevado risco da situação de insegurança alimentar em mulheres grávidas. Até porque, o período da gestação requer maior demanda energética, pois é quando ocorre rápida divisão celular e desenvolvimento de novos tecidos e órgãos. Além disso, a reserva energética também é necessária posteriormente, para a fase de lactação.
Apesar da amostra ainda não considerar o quanto a insegurança alimentar da mãe impacta o bebê, alguns estudos apontam para consequências. Como, por exemplo, a disponibilidade materno-fetal pelos nutrientes, que pode restringir o crescimento ultrauterino, levar a baixo peso ao nascer e indicar menor índice de Apgar – teste realizado após o parto para avaliar o ajuste do recém-nascido à vida fora do útero.
Nesse contexto, a insegurança alimentar leve se torna grave para uma gestante. E, de acordo com o médico coordenador do projeto ‘Gravidez cuidada, bebê saudável’, Ricardo Pinheiro, os cuidados nutricionais devem ser inseridos nos exames pré-natal. “Nos preocupamos com muitas doenças, mas a nutrição e vivência nutricional da mãe são elementos básicos. Mesmo que haja alimento, se ela estiver insegura já é um problema”, acredita.
Realidade brasileira
A temática da insegurança alimentar começou a ser discutida no Brasil em 2004, quando foi realizado o primeiro estudo nacional com famílias, na Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (PNAD/IBGE). Os últimos resultados nacionais datam de 2013, quando 22,6% das famílias estavam em insegurança alimentar.
De acordo com a orientadora da pesquisa da UCPel, professora Janaína Mota, a prevalência estava diminuindo, porém, com a atual crise política e financeira do país, provavelmente a próxima PNAD indicará aumento. “Inclusive os números em Pelotas serem maiores que os nacionais pode ter influência do cenário em que o Brasil se encontra”, justifica.
Em Pelotas, o índice de insegurança alimentar foi analisado por Janaína, em 2007, quando a prevalência era de 11%. Segundo Caroline, ao comparar os resultados atuais com os de 2007, os números preocupam ainda mais por se tratar de uma população de gestantes. Até porque, pesquisas envolvendo tal período foram realizadas somente em Alagoas, com usuárias de uma Unidade Básica de Saúde (UBS) – diferente do divulgado pela UCPel, que considerou a população em geral.
Soluções e desdobramentos
Para reduzir os números, a pesquisadora acredita ser necessário investimento público de caráter estrutural em áreas como saúde, educação, saneamento básico e moradia. Além de alimento em quantidade e qualidade suficiente, outra ação está em instruções financeira e nutricional, para que as famílias saibam como e onde investir sua renda e auxílios, como do Programa Bolsa Família.
A pesquisa foi resultado da dissertação de mestrado de Caroline no PPGSC, defendida em novembro de 2018. No doutorado, pretende dar continuidade ao estudo e analisar o desenvolvimento cognitivo, motor e estado nutricional dos filhos das gestantes que apresentaram insegurança alimentar. “Minha hipótese é que, aos 18 meses, as crianças irão apresentar déficit de estatura, sobrepeso ou obesidade, oriundo de algum mecanismo de compensação pelo pouco aporte energético recebido na gestação”, propõe.
Redação: Piero Vicenzi