Uma transformação de olhar para uma população que, ao longo dos anos, recebeu vários estigmas é o que propõe o livro «A rua em transe: territórios relacionais e a política dos afetos entre pessoas em situação de rua”. Lançado em 2013, a obra do professor do Programa de Pós-Graduação em Política Social e Direitos Humanos da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), Tiago Lemões, ganha uma segunda e atualizada edição pela editora porto-alegrense Fi.
A temática acompanha a sua carreira enquanto pesquisador desde a graduação em História, quando conheceu a professora Cláudia Turra Magri, responsável por desenvolver estudos com pessoas em situação de rua no Brasil e na França. Sob sua orientação, Tiago abordou a relação desses indivíduos com os alimentos recebidos por meio de doações no seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).
“Fui a campo com a ideia de exclusão social na cabeça, pois se escuta muito que as pessoas em situação de rua são sujeitos que se desvincularam do emprego, da família, dos amigos, sendo sozinhos e nômades”, conta o professor. Porém, o que presenciou na prática foi justamente o contrário: o desenvolvimento de relações afetivas no ambiente das ruas.
Tiago conta que uma situação em especial mudou sua percepção. Foi quando um rapaz de 19 anos pediu para que tirasse uma fotografia na companhia de seu irmão. O pesquisador, prontamente, questionou o fato do jovem ter um irmão, uma vez que havia confessado ser filho único. “É meu irmão de rua”, respondeu. Essa frase serviu como despertar para as investigações deste território relacional quase imperceptível.
Na sequência, durante oito meses, o pesquisador entrevistou 32 pessoas em situação de rua para sua dissertação do Mestrado em Ciências Sociais. “Entrava na fila para pegar comida, sentava na calçada com eles, voltava de madrugada para casa, escrevia diários de campo…”, relata.
Identificou uma dinâmica de relações e até mesmo de família, na qual faz surgir os títulos de “mãe de rua”, “pai de rua” e “irmão de rua”. São laços de compreensão e lealdade desenvolvidos ao longo de vários anos de convivência entre aqueles que não possuem uma moradia tradicional.
Tais vínculos surgem com a família de origem que os visita, voluntários de organizações religiosas, trabalhadores noturnos, moradores de residências próximas e demais pessoas que não possuem preconceitos. “Tem-se, então, uma quebra da ideia de que estão vagando pelas ruas”, diz o pesquisador. Estão, na verdade, se estruturando enquanto indivíduos em seu ambiente.
Atualização
Sete anos depois, a nova edição da obra ganha uma atualização de conteúdo. O autor conta que sintetizou algumas passagens e acrescentou autores e perspectivas mais recentes sobre o tema. Inclusive, análises sobre o engajamento político das pessoas em situação de rua.
Essa abordagem é fruto de uma aproximação com a Antropologia, campo do conhecimento que estimula o pesquisador a usufruir de uma vivência direta com o objeto de estudo. Neste sentido, Tiago recentemente concluiu o Doutorado em Antropologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), abordando os direitos sociais das pessoas em situação de rua.
Leia
O livro “A rua em transe: territórios relacionais e a política dos afetos entre pessoas em situação de rua” possui 147 páginas e está disponível no site da editora tanto na versão impressa quanto em PDF para download gratuito.
Redação: Max Cirne