Vulnerabilidade de idosos no cárcere é tema de tese da UCPel

Atrás das grades, uma população vive em condições ainda mais degradantes que o restante dos apenados. A situação dos prisioneiros acima dos 60 anos foi abordada em tese da pesquisadora Marina Portela Ghiggi, intitulada “Vulnerabilidade etária no cárcere: ausência de reconhecimento do idoso nas políticas públicas penitenciárias brasileiras”, do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais e Direitos Humanos (PPGPSDH) da Universidade Católica de Pelotas (UCPel).

O foco do estudo defendido em dezembro do ano passado é a ausência de políticas públicas para um grupo praticamente esquecido. “Há garantias destinadas para outras minorias, como as mulheres e os LGBT, mas o idoso na cadeia não se pensa”, comenta a pesquisadora. O tema já havia sido abordado em sua dissertação de mestrado, concluída em 2012.

Durante a primeira investigação científica, realizada na PUCRS, sob orientação do professor Alfredo Neto, Marina cruzou dados de pesquisas estrangeiras que abordavam o contexto de idosos em prisões da Inglaterra, do País de Gales e dos Estados Unidos. Tal análise levantou algumas particularidades, como a inaptidão dos presos com mais idade aos trabalhos prisionais disponíveis e, também, ao sentimento que possuem de solidão, uma vez que não recebem visitas.  

Constituem, ainda, um grupo de indivíduos com maior incidência de problemas de saúde e que requer adaptações em suas celas. Em alguns países, há prisões exclusivas para idosos. Porém, no Brasil, o Plano Nacional de Saúde no Sistema Prisional não aborda as questões referentes a doenças específicas para a população idosa.

 

Foco na realidade local

Professora de Direito Penal no curso de graduação da UCPel, Marina seguiu com o tema durante o doutorado, vindo a focar sua pesquisa em casas prisionais da Região Sul, como o Presídio Regional de Pelotas (PRP) e a Penitenciária Estadual do Rio Grande (Perg), onde colheu o depoimento de dez presos idosos.

A partir do contato direto com os apenados, Marina pôde comprovar algumas conclusões da doutrina internacional, como a fragilidade em saúde, inadequação ao trabalho e a nítida percepção de abandono. Neste último quesito, Marina conta que vários dos participantes demonstraram a necessidade do diálogo. “Alguns chegaram a agradecer a entrevista, simplesmente pelo fato de poderem conversar com alguém”, relata.

 

Sem ressocialização

Os resultados da tese indicam a necessidade de uma maior visibilidade para a população com mais de 60 anos que se encontra em presídios. “É diferente condenar uma pessoa de 20 anos a mais 20 de prisão do que uma pessoa com 60 anos a mais 20 de cárcere”, comenta. Por este motivo, Marina propõe que a faixa etária seja considerada na individualização da pena.

A pesquisa destaca ainda que a maioria desses presos conclui a pena ultrapassando a expectativa de vida brasileira. Se não terminam seus dias dentro da prisão, deixam o local e não possuem qualquer possibilidade de reinserção na sociedade. “Além do estigma de ter sido preso, são idosos, o que torna tudo mais difícil”, diz. Os projetos desenvolvidos nas penitenciárias são, geralmente, voltados ao reingresso ao mercado de trabalho, o que não é mais útil para esse grupo.

Entre as sugestões, a professora aponta a prisão como última alternativa para os idosos. Sendo inevitável, é importante o investimento em acessibilidade nas celas e, também, em Recursos Humanos, como atendimento psicológico e programas que visem à aproximação da família do apenado. “Entrevistei presos que precisavam de ajuda para se locomover, ficavam somente na cama, não conseguiam ir ao refeitório para comer”, conta.

Na última década, o número de idosos presos quase triplicou no Rio Grande do Sul. Se em 2011, eram 357 presos com mais de 60 anos; em 2019, o número passou para 837, entre homens e mulheres. Esse grupo de indivíduos corresponde a 2% da população carcerária. “É uma porcentagem baixa, porém cresceu muito nos últimos anos”, analisa a pesquisadora.

 

Redação: Max Cirne